sábado, 10 de julho de 2010

Não é santo

Há santo que acorda às 4?
Que num gole engole o café fraco?
Que veste o sapato surrado?
calçando o chão no solado?
Que de tantos donos furou?

Há santo que não chora
Pelo não comer diário?
Pelos farelos no armário?
Pelo apelo de sua senhora?
Pela sua súbita compreensão?

Há santo que ouve sempre o mesmo som
Das pancadas da marreta no concreto?
Das estruturas erguendo-se no chão?
Das máquinas e seu estranho dialeto
Que com que faz milagres ao céu?

Há santo que não se aguentando
Abre um cubo de carne fria?
Carne dura e sem categoria
Que de tão disforme não se sabia
Se era do porco ou se era sua

Há santo que trabalha quinze horas
E enxagua a mão na sujeira?
Ajeita no saco suas tranqueiras?
Veste o colorido cinza de ir embora?
Calça o chão e toma o ônibus?

Há santo que berra ao motorista
Ao cobrador, ao que tiver em vista
Uma saudação ininteligível?
Tão sincera como um latido?
Tão sonora quanto um estampido?

Há santo que corre para o bar
Para ali deixar uma porção da sua miséria?
Na intenção de poupar da sua familia
os insultos dos cães de sua matilha
Que lhe abocanharam a dignidade?

Há santo que vê uma mulher bonita
E não tarda a correr em sua procura
Escondendo tudo de sua mulher
Que já não aparenta formosura?
Mas que sempre incita respeito?

Há santo que diante da mais cara jóia
que lhe ofusca a nitidez da visão
Milagrosamente a transforma em comida?
Sem recursos se transforma em vilão?
E tem de achar um jeito de tocar a vida?

Há santo que ainda cansado pode ouvir
O ronco vazio dos estômagos famintos
Que dormem para silenciar os instintos?
E sincronizar com os roncos do pai?
Este ronca por não saber onde vai

Há homens santos
há santos homens?

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Ah, essa sua risada
que me faz chacoalhar a cabeça
e censurar meus pensamentos
Estes seus dentes úmidos
que se põem ao tapa
da luz que lhes incide
e que refletem sem pudor
Tranca na boca toda explicação
Daquilo que foi meio dito
E que por isso
Tão cedo não será esquecido
A sua voz carrega a audácia
As injúrias que eu quis ouvir
Não sei se a voz, ou a risada
Não sei se as injúrias
Não sei se por de fato
Não ter sido feito
Sem que faltasse um pedaço
Sem que carecesse do fim
Que me fora incumbido de pôr
É assim, você fala e ri
E me olha nos olhos
Exigindo um traço de resposta
Eu, sem jeito, me esquivo
do mal que já me dominou

Luz do sol


Muita gente fez música sobre a ação do homem na natureza, mas ninguém foi tão longe quanto Caetano Veloso!