As pessoas foram perdendo o tom, se espalhando por aquelas bolhas até que eu acordei.
domingo, 21 de novembro de 2010
Eu sonhei com um cômodo prata e cinza com corredores onde as pessoas dormiam de cabeça para baixo em grandes bolhas. Pareciam projetos de gente, todos iguais dos pés a cabeça, da cabeça aos pés. Pensei que o lugar poderia ser vermelho, mas era cinza, e as pessoas dormiam esticadas e flutuando. Pensei que poderiam encolher-se. Pensei tanta coisa a respeito delas que cheguei a me perguntar no que pensavam, e no meu sonho, com o que sonhavam. Eram todas igualmente apáticas e adultas. Como mortas. Acordado, eu admito a possibilidade de estarem mortas, mas no sonho era tudo tão frio e cinza que elas não podiam estar mortas. Seria demais para mim.
Face that
Se eu me descascar
Se eu me virar do avesso
Se você vir em mim
O canto mais sincero das vísceras
Se eu me desembrulhar
Se eu me despir de tudo
Se eu ficar além de nú
Se eu nascer aqui
Se você me olhar
E me ver mais que eu
E me ver mais que você
Que o mais claro dos sóis
Se eu mudar
Se eu decidir
Se eu andar
Se eu voar
Você me vê
Você tem coragem
Você tem coração
ou não?
sábado, 20 de novembro de 2010
Teddy baixo astral: Ep. 3
Oi, Teddy, no que está pensando agora?
- Estou pensando na vida das moscas.
É uma vida muito curta, não é mesmo?
- Acho que sim, mas a mosca também é curta, o sentido da vida dela também é curto.
Qual é o sentido da vida das moscas Teddy?
- Rodear um monte de cocô.
Aposto que as moscas fazem muito mais que isto.
- Sim, elas zumbem no meu ouvido de noite, como se eu fosse o monte de cocô.
segunda-feira, 15 de novembro de 2010
Teddy baixo astral: Ep. 2
Oi, Teddy, em que está pensando agora?
- No tênis que eu vi na propaganda da TV.
Você quer um daquele?
- Sim, quero muito. É o que eu mais quero na vida.
Por quê quer tanto este tênis assim?
- Porque ele tem luzes que piscam quando agente anda.
E para que servem estas luzes?
- Para piscar, ora...
Mas o tênis não existe para proteger os pés?
- Não. Para proteger os pés existem os calçados, os tênis que piscam existem para piscar.
domingo, 14 de novembro de 2010
O limpador de sepulturas (Parte 1)
Depois de reunidos todos os instrumentos necessários, partira ao ofício de manter limpos todos os sepulcros que guardavam os restos mortais de alguns homens, muitos dos quais pouco conhecia. Não era uma função qualquer. As famílias vinham ali derramar suas saudades uma vez ao ano e deviam ter uma boa impressão de sua mais provável futura casa.
Senhor Plácido subia com algum custo o íngreme caminho que o levava ao início de sua tarefa, não pelo peso do carrinho com os produtos de limpeza e as vassouras, mas pela carga da vida que trazia sobre as costa. Mas o "custo" com que subia era só aparente, apresentava uma disposição de criança para o trabalho desde que escolhia a carga da morte.
O primeiro túmulo era ostensivo, levava em letras douradas o nome da família que jazia ali. O sol refletia seus raios nos olhos cansados do Sr. Plácido, que não por isto deixou de lembrar-se que sequer podia pronunciar aquele nome tão cheio de consoantes. Devia haver ali uma família que passou bem.
As datas em frente as cruzes abaixo das fotos mostravam que Sr. Plácido era um menino que brinca curioso entre as velharias de seus avós. Fisionomias sérias, de pessoas que se julgavam importantes com penteados que pareciam antiquados até para o Sr. Plácido.
A primeira a morrer devia a ser a matriarca da família. Tinha o rosto repleto de rugas e, exceto pelos olhos, era como se o Sr. Plácido olhasse para um espelho, quando vestia um horrível vestido de renda que a idade da foto não revelava a cor. Pensou que aquela mulher deveria ter sofrido, a ponto de que seus filhos não pudessem encontrar uma foto em que estivesse mais simpática. Não era obrigado que sorrisse, já que evidentemente não possuía dentes e deixaria ali uma visão um tanto cômica aos descendentes, mas alguma alegria lhe faltava. Sr. Placido, que provavelmente seria jogado numa vala comum após a sua morte, pensava consigo que tinha tantas alegrias para mostrar que talvez não coubessem numa foto. Mas nem todo mundo tinha a sua sorte. Nunca vestiu um vestido de renda, e nem uma meia, que não quisesse, e aos quarenta anos, quando a vida não lhe poupou nenhum dente, um vereador lhe deu uma dentadura ajustada em troca em troca do voto.
A moça que vinha abaixo da foto desta senhora parecia assustar-se com tecnologias, ou pelo menos foi isto que as suas espessas sobrancelhas revelavam. Olhou à câmara fotográfica com uma expressão hilária, talvez por saber o resultado da fotografia. Deus nos perdoe, mas àquela mulher talvez sobrasse alegria, mas lhe faltavam algumas outras coisas. No entanto, pelo sobrenome, conseguiu casar-se. Pode ter sido uma mulher boa, boa mãe, ou o marido teve a oportunidade de conhecer o jazigo da família, mas esta hipótese é muito maldosa para passar pela cabeça do Sr. Plácido.
Teddy baixo astral: Ep. 1
Oi, Teddy, no que está pensando agora?
- Eu ouvi de novo aquela música que tocava quando em nem tinha nascido...
- Eu ouvi de novo aquela música que tocava quando em nem tinha nascido...
E você se lembra ainda?
- Não.
E como pode saber que ela tocou, Teddy?
- Eu não sei, na verdade.
Você me deixa confuso assim...
- Na verdade, eu te desconfundo. Você que quer saber demais!
... cante, então, a música para mim.
- ...
Teddy, eu pedi para cantá-la...
- Ora, não pode ouvir? Parece até que não viveu antes de nascer!
Claro que vivi, Teddy, mas o que isso tem a ver com ouvir a tal música?
- É que se vive ainda, é porque ouviu a melodia até o fim, mas agora é surdo a ela.
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