domingo, 14 de novembro de 2010

O limpador de sepulturas (Parte 1)

Depois de reunidos todos os instrumentos necessários, partira ao ofício de manter limpos todos os sepulcros que guardavam os restos mortais de alguns homens, muitos dos quais pouco conhecia. Não era uma função qualquer. As famílias vinham ali derramar suas saudades uma vez ao ano e deviam ter uma boa impressão de sua mais provável futura casa.
Senhor Plácido subia com algum custo o íngreme caminho que o levava ao início de sua tarefa, não pelo peso do carrinho com os produtos de limpeza e as vassouras, mas pela carga da vida que trazia sobre as costa. Mas o "custo" com que subia era só aparente, apresentava uma disposição de criança para o trabalho desde que escolhia a carga da morte.
O primeiro túmulo era ostensivo, levava em letras douradas o nome da família que jazia ali. O sol refletia seus raios nos olhos cansados do Sr. Plácido, que não por isto deixou de lembrar-se que sequer podia pronunciar aquele nome tão cheio de consoantes. Devia haver ali uma família que passou bem.
As datas em frente as cruzes abaixo das fotos mostravam que Sr. Plácido era um menino que brinca curioso entre as velharias de seus avós. Fisionomias sérias, de pessoas que se julgavam importantes com penteados que pareciam antiquados até para o Sr. Plácido.
A primeira a morrer devia a ser a matriarca da família. Tinha o rosto repleto de rugas e, exceto pelos olhos, era como se o Sr. Plácido olhasse para um espelho, quando vestia um horrível vestido de renda que a idade da foto não revelava a cor. Pensou que aquela mulher deveria ter sofrido, a ponto de que seus filhos não pudessem encontrar uma foto em que estivesse mais simpática. Não era obrigado que sorrisse, já que evidentemente não possuía dentes e deixaria ali uma visão um tanto cômica aos descendentes, mas alguma alegria lhe faltava. Sr. Placido, que provavelmente seria jogado numa vala comum após a sua morte, pensava consigo que tinha tantas alegrias para mostrar que talvez não coubessem numa foto. Mas nem todo mundo tinha a sua sorte. Nunca vestiu um vestido de renda, e nem uma meia, que não quisesse, e aos quarenta anos, quando a vida não lhe poupou nenhum dente, um vereador lhe deu uma dentadura ajustada em troca em troca do voto.
A moça que vinha abaixo da foto desta senhora parecia assustar-se com tecnologias, ou pelo menos foi isto que as suas espessas sobrancelhas revelavam. Olhou à câmara fotográfica com uma expressão hilária, talvez por saber o resultado da fotografia. Deus nos perdoe, mas àquela mulher talvez sobrasse alegria, mas lhe faltavam algumas outras coisas. No entanto, pelo sobrenome, conseguiu casar-se. Pode ter sido uma mulher boa, boa mãe, ou o marido teve a oportunidade de conhecer o jazigo da família, mas esta hipótese é muito maldosa para passar pela cabeça do Sr. Plácido.

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