Eu posso dizer que conhecia bem a orla da mata, mas a mata, mesmo que nela eu já tivesse penetrado e explorado, eu jamais conheceria. Era sempre muito diferente, mesmo a orla, da minha janela. Antes dela, fizeram um campinho com uma areia suja e traves de madeira podre, só que era tão tosco que tinha uma forma ovalada, o que não é muito conveniente, por exemplo, para a cobrança de escanteios. Acabou virando uma área multi-uso que pela ausência de fiação elétrica era um dos melhores lugares para empinar uma pipa na entrada do inverno.
Depois do campinho, na clareira dos pés de mamona, havia um acesso um tanto perigoso à ponte. Na verdade, não se pode chamar de "ponte". Era uma pinguela com dois troncos secos, um com cerca de 30cm de diâmetro e outro com uns 20cm paralelos que cruzavam um córrego extremamente sujo e aparentemente raso. Para cruzá-la, era preciso estar em forma com as "cadeiras", alinhar os pés a cada passo e dá-los curtos, para não se desequilibrar e cair no córrego. Não me lembro de ter ouvido que alguém tenha caído alí, mas temia que isto acontecesse, embora cruzasse com uma aparente confiança e agilidade.
A orla era repleta de árvores compridas que tinham muitos galos próximos do topo e quase nenhum mais embaixo. Já me disseram o nome delas, mas eu não me interessei e esqueci. Podiam ser vistos pardais, sabiás, bem-te-vis e às vezes alguns equinos, que certamente não cruzaram a pinguela para chegar alí. Era evidente a presença humana naquela mata aberta. Havia uma trilha de terra batida muito bem definida e ao longo dela embalagens, peças de roupas e calçados de criaças que pelo estado já não cabem mais nos pés das donas. Sem desviar muito da trilha principal, podiam-se ver alguns tachos de cerâmica que continham as mais diversas iguarias: balas, pirulitos, farofa, galinhas decaptadas, litros de cachaças meio cheios e vazios e em volta, cera derretida ou até velas que não tiveram tempo de queimar, de todas as cores, mas predominantemente pretas, assim como as galinhas.
Lembro que na minha infância eu era frequentemente estimulado a descrever um raio de uns quatro metros em volta dos tachos, mas era como uma prova de masculinidade urinar sobre ele, não importa o que tivesse dentro, mesmo os doces mais saborosos.
Havia sempre quem dissesse "Vixi, isto aí é macumba das braba!" e "Num mexe cu'isso, não, rapaz!". Mas era tão bem preparado, como um banquete que alguém fizesse para alguém muito especial. Me disseram que era para o demônio e por isso ficava na janela o no telhado da minha casa espiando para saber qual a cara deste bicho, mas ele parecia desdenhar toda aquela comida e muito mais a minha atenção.
Por todo lado da trilha havia bitucas de cigarro, estes de todos os tipos: industrializados, de fumo de corda, de maconha, cachimbos de craque e seringas usadas e jogadas no chão da terra seca, mostrando que enquanto eu não vigiava a floresta, o demônio fazia a festa! Uns demônios mais discretos, talvez até não demônios, visto que estes podem até ser considerados os melhores camareiros do sexo e os únicos que adimitem que duas pessoas gozem em perigo, o que acho um mérito, já que os mantém a salvo da selva, mas não tanto das seringas e dos cigarros, deixavam vestigios da cópula no mato. Camisas de vênus que custei a saber o que eram e que assim as chamavam estavam sempre espalhadas pelos poucos cantos que a mata tem. Alguns ainda guardavam o resto do sexo, outras um pouco de terra seca.
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