sábado, 18 de dezembro de 2010

Cego

Enquanto eu ouço Stevie Wonder, eu me lembro da minha mãe me contando sobre a sua avó, que também era cega. Ela me conta que a velhinha passava as mãos sobre seu rosto e dizia que ela era bonita.
Que beleza as mãos enxergam?
Nariz, boca, olhos, cabelo. Todos os humanos tem, nos mesmos lugares.
De que beleza falava aquela velhinha?
Imagino, então, o pobre Stevie pedindo a sua esposa que descrevesse o rosto de sua filha, minunciosamente. Sorria, provavelmente, ao ter diante de si qualquer tipo de sensação que só sua filha o trouxesse. Isto lhe parecia bonito. Era o que podia alcançar, o que podia sentir. Quando "via" sua filha pelas palavras da esposa, pelos rostos que nunca vira, pelo amor que tinha por aquela criatura, estava diante da beleza.
Nós temos uma apego especial pelos nossos olhos que jamais nos imaginaríamos sem eles. Parece perder a vida.
Quando encaro a minha iminência de ficar cego, penso em como eu perderia a minha liberdade, sem notar o quanto já estou preso a ela. Na verdade, pensando na minha bisavó e no Stevie, eu ganharia uma vida nova, com novas dificuldades e uma superação ainda maior.
As dificuldades me parecem incrivelmente amigáveis quando eu penso no ser humano mesquinho que eu seria sem elas. Vejo gente por aí com tantas certezas que me dá pena.
Tudo o que parece me limitar, tem me amadurecido. Tudo o que eu não tenho, me mostra o que realmente importa para eu construir minha felicidade.
Vou chorar ainda muitas noites por não poder fazer isto ou aquilo do jeito convencional, mas também vou me divertir ao inventar o meu próprio jeito.

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