Eu não soube distinguir se era o amanhecer ou anoitecer. Sei que o céu mudava de cor, como se houvesse um prisma divino que separasse o alvo espectro em magníficas faixas coloridas que refletiam no mar.
É tão comum o céu e o mar nas obras primas, a linha imaginária que os separa e a beleza que os une. Fotografias, pinturas, gravações, o maior pesar de quem não pode ver. Aliás, se eu não o pudesse, se tivesse que escolher uma imagem para carregar ante meus olhos para sempre, seria aquela pscicodelia. Não há limites, só além. Nada se sabe, Deus não está ali, pois se é aquilo tudo, aquele confronto de tons e ondas.
Ao que não pode ver, foi reservada uma brisa, com a mais carinhosa palma do vento para levantar os cabelos e desarrumá-los. Ela domina o corpo, não com a força, mas com a vontade do dominado de se lançar contra ela, como se estivesse a limpar da pele as maldições da estética e do tempo.
Os pés, naturalmente, caminham descalços, como em toda história romântica de quinta categoria, cujo cenário já fora usado mais que as palavras, e continua tão fascinante quanto elas. O pisar deixava marcas na superfície da areia molhada, registrando por um instante que alguém passou por ali. Mas o que é um instante para o céu, o mar e a brisa? Apertava os dedos dos pés contra a areia, para senti-la limpar a base da minha caminhada e aderir a ela. Estava fria e fina, e entrava entre os dedos, sob as unhas, até que o mar as tomasse de volta, numa onda frágil que refresca os tornozelos.
Havia bem de longe um galopar regular que, a julgar pelo aumento do som, vinha em minha direção. Não tive, em todos estes momentos, o interesse de olhar para trás. Era tudo igual ao que vinha pela frente, exceto pelas marcas que eu deixava na areia, mas que em breve o mar as apagaria.
O trote diminuiu o ritmo, até que pude sentir o hálito do animal na minha orelha. Eu parei, ele continuou e virou-se para trás acalmando-se lentamente e soltando suspiros de cansaço. Fiquei aturdido com o animal. De pelagem cor de caramelo que refletia toda a exuberância do céu e tangia os músculos das patas e do pescoço, de onde nascia uma crina loura e lisa que brincava com o vento como se fosse eterna. Ousei encará-lo e vi seu olhar firme, devoto e calmo. Fui enfeitiçado, e não hesitei em levar a mão à face do animal que aceitou o carinho com a ternura de uma criança, quando o abracei, achei que jamais fosse soltá-lo.
Mas sobre a minha mão pousou uma outra tão macia e leve que presumi que fosse uma pena, o que me fez estranhar, já que alí só havia Deus, eu e o cavalo. Mas era pena de anjo, um anjo nú que dispensava celas, cabresto, ou qualquer uma destas coisas para montar o animal. Olhou-me nos olhos com um desejo assustador, pediu firmeza no meu braço e, com meu auxílio, desceu do cavalo, beijando-lhe o dorso e acariciando seus pelos reluzentes, sem largar a minha mão.
Seus cabelos se estendiam pelas costas, pouco mais escuro que o pêlo do animal e tão reluzente quanto. Formava ondas suaves até encontrar-se com o quadril e dançava a coreografia da brisa. Era a síntese de toda a maravilha que eu havia experimentado. Desenhada em curvas infinitas de subiam dos pés e antes de chegar a cabeça, já me deixaram tonto. Os seios eram um milagre da forma, como se fossem encomendados para caberem nas minhas mãos e os mamilos roçarem a palma com delicadeza.
O anjo colocou as mãos na minha nuca, me fitando com desejo, e aproximou a sua boca rosada da minha, eu afastei os seus cabelos que se colocaram como obstáculo àquele encontro. As minhas mãos fizeram um percurso suave das costas até o traseiro, redondo e macio como um pêssego. Tinha cheiro de alegria, de prazer, de doce. Algo que ao experimentar, torna-se predileto.
Ambos percebíamos que toda delicadeza e suavidade vinha se anulando com o desejo que crescia do nosso beijo, que se engolia com gosto de carne. Ao beijar seu pescoço, já podia ouvir os urros que deixou assustado o cavalo que testemunhava o ato. Aproximei então os nosso corpos e notei que também estava nú, que o olhar do anjo mudara e que parecia assustada. Algo a fazia reluzir entre as pernas, sobre aquela flor rosada e imersa de desejo e pavor.
Senti uma vergonha absurda ao vê-la subir no cavalo sem a minha ajuda, erguê-lo sobre mim, e sair galopando com as nádegas nuas batendo sobre o dorso do animal e os cabelos ao vento, indo embora, Deus sabe para onde.
Sou fascinado pela idéia do Jardim do Éden, de haver apenas um homem e uma mulher nús, desfrutando os prazeres da natureza e condenando-se cada vez mais pelo desejo inerente ao caráter humano.
ResponderExcluirNão existe prazer maior do que o fruto proibido, do que ser expulso do paraíso, do que a vergonha que desafia o desejo constantemente a mostrá-la do que é capaz.