quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Minustah

Apurem os ouvidos
Ouçam o palpitar das pálpebras exaustas
Ouçam o gemido do peito insistente
Ouçam a sinfonia da vida na morte
Apurem os ouvidos
apurem o instinto insubordinável
vejam além do caos
Olhem fundo e através do que está
Expire o que pode ser
Imagine o meio do interior do fundo da alma
Peguem-na, alcancem enquanto há tempo
Apurem os ouvidos
Deite a face no chão e sinta-o
Lá está a vida eterna em tantos
que por pouco se esvai
Apurem os ouvidos
Ouçam o urro selvagem do coração
Segure os joelhos, coordene as pernas
Resista ao bailar do barro
Apurem os ouvidos
E deixem que os cães trabalhem
Deixe que a nossa incapacidade de sentir
Além da podridão fúnebre da tragédia
Seja compensada pelo afeto e cooperação
Apurem os ouvidos
Enquanto inquietos os cães farejam
um atrevido odor de alma
um cheiro ofensivo e irritante
Apurem os ouvidos
e deixem que o cinza exale o negro
Num cheiro vermelho quente
Num meio descaracterizável
duma rocha morta e sufocante
os restos de vida que não querem jazer
Apurem os ouvidos
para o choro da terra que trouxe a si
O que não conseguiu mais suportar
O que já lhe era entregue sem pedir
Sem dar à terra um pouco de paz
Apurem os ouvidos
Há resquícios de vida pairando no ar
Deixem que os cães a encontrem
E não economize uma gota de suor
Enquanto não emergir da terra
O que ela não quis levar

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