terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Nhô Neca



Pelas redondezas do ribeirão, um dia foi difícil encontrar um homem tão conhecido. É daqueles que parecem ser velhos há muitas gerações. Os mais antigos contam que desde criança ele tinha aqueles talentos. Ainda moleque, tinha que trabalhar na roça e ali fazia o seu palco.
Sua mãe teve 12 filhos, 8 homens e 4 mulheres, sendo que um homem morreu no parto. Com esta filharada, estava bem reforçada a mão-de-obra da roça e se podia garantir a sobrevivência de todos os membros daquela família. Todos muito trabalhadores, mas só um esperto: o Nhô Neca. Os outros se dividiram entre mal casados e maus pinguços. Nhô Neca casou logo com a Nhá Dita que fazia um doce de leite de dar inveja. Na criancisse era um menino ágil e muito conversador, foi calçar uma sandália aos 7 anos de idade, até então só andava descalço, o que lhe trouxe uma porção de calos na sola dos pés e nos dedos espalhados. Estes calos tinham poderes que quase tornaram o Nhô Neca um santo. Era desde pequeno um fã de pescaria e ninguém pescava os lambarís do tamanho dos dele, eram enormes. Convenientemente ele se apressava na labuta para correr ao rio na calmaria do fim de tarde e garantir uma bóia diferente, com carne de peixe. A vara era coisa simples que não foi feita para aguentar os peixes dele: um bambú fino, uma linha que alguém lhe dera há algum tempo, uma pedra e um anzol amarrados à linha. Umas vezes improvisava uma bóia de alguma fruta seca para facilitar a pescaria. Foi se tornando um doutor nos assuntos do ribeirão, sabia todas as espécies de peixes do rio, o que eles gostavam de comer e como pescar na piracema. Mas o que quase lhe deu o mérito de santo foi o domínio da previsão do tempo. Bastava o sentir uma fisgad no calo que ele sabia se choveria ou faria sol. Ele atribuía o poder primeiro a Nosso Senhor Jesus Cristo, depois aos calos que com muitos custo adiquiriu e que coçavam e doíam conforme fosse o tempo no dia, semana ou mês seguinte. Não se sabe dizer ao certo se era o calo, NSJC, ou qualquer outra coisa do tempo de ouro do Nhô Neca que lhe fizeram um homem ilustre pela região, mas dizem que numa data que já não se tirava um peixe do ribeirão, muita gente já migrava da região ou trabalhava para os fazendeiros desaforados, o Nhô Neca disse que tudo aquilo era por causa de uma planta que nascia nas profundezas do rio e que sumiria na próxima seca que estava por vir. Ninguém acreditou, mas dalí uma semana não havia espaço para tanto peixe. Já associaram o Nhô Neca à Santa do Rio Paraíba e fizeram do homem um Santo por rebatimento. Desde então quando se queria saber do tempo, aumentar o preço do quilo de peixe, pescar uma espécie ou outra no rio, recorria-se aos calos do Nhô Neca, pois estes nunca falharam. Mas de um tempo para cá as coisas mudaram. Puzeram uns muros de contenção de água num ponto do rio que são umas enormidades de grandes. A água que vinha antes do muro chegou a subir uns 15 metros e muita gente que vivia nas margens do rio teve que arredar dalí. Apareceram umas espécies de peixe que nunca ninguém tinha visto, e estas novas comeram os ovos das velhas e já não se vê em determinadas partes nenhum exemplar da espécie de antes. Deram carteirinhas aos pescadores e proibiram o uso da rede para preservar a natureza do local. Ficou tudo tão difícil e as habilidades do Nhô Neca com o rio já nem se fazem mais perceber. Todo o conhecimento que ele adiquiriu, melhorou e espalhou pareciam não servir de nada. Como se não bastasse, de repente chega uma chuva e nenhum calo coça, nem dói. Não acerta mais nas previsões. Já velho tornou a pegar no cabo de enchada para ver se não era porque os calos tinham amaciado, mas de nada adiantou, só vieram dores e mais erros. Nhô Neca vive hoje numa aflição sem tamanho e não entende porque NSJC tirou dele um poder que soube usar tão bem. Uma hora chove, faz um frio, dali um instante sai um sol de rachar. No alto de sua caduquisse chegou a chamar o Menino Santo de ingrato e a desejar a morte. O Nhô Neca está de dar dó, vive por aí vendendo os doces da Nhá Dita, estes continuam ótimos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário