sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Diabretes

O meu trabalho é pelas crianças, mas não trabalho diretamente com elas, e neste dias pude dar Graças a Deus por isto.



Há várias situações cômicas em que a naturalidade das crianças nos metem, mas que só somos capazes de notar quando a onda de raiva recua e leva a vergonha que estes pequenos peraltas nos causam muitas vezes.



Na minha corriqueira subida à sala de aula de uma professora da escola onde eu trabalho, bati na porta por quase um minuto, mas ao contemplar a paisagem interna pelo vidro, decidi entrar e desperdiçar um "com licença" inaldível. Quando, entre tantos blocos coloridos, carros de brinquedo, bonecas, empurrões e giz espalhados pelo chão eu finalmente chego ao ouvido da professora, digo-lhe o nome de quem eu quero, e então seu olhar passa a procurá-lo entre 30 crianças que parecem 300 ali juntas.



Ela se aproxima do local de maior aglomeração onde um rapazinho bate com uma peça de isopor na cabeça de outro que lhe chuta as canelas o deixando em prantos. Sem argumentos, a professora diz "não faça isto!". Uma menininha que sozinha parecia tão bem comportada, ali fazia de um balde de plástico um cavalo e se arrastava sobre ele pela sala deixando um rastro de plástico raspado pelo caminho. Com um e outro dentes faltando, ela me disse "oi!". Supuz que fosse um "oi" já que sua voz se misturava ao ronco dos motores imaginários que rugiam pelos metros quadrados da sala, tornando qualquer Marginal Tietê um canto dos pássaros.



Outro rapaz, com um carrinho de boneca e uma boneca, bricava de uma maneira no mínimo inusitada: as rodas do carrinho passavam sobre o pescoço da boneca que de bege passou a marrom, por tanto ser arrastada no chão da sala, e ele dizia: "menina mal-criada!".



Enfim, percebo que a professora se diatraía com um outro rapaz, não o que eu havia pedido, que de alguma forma enfiou a cabeça por entre as grades da prateleira de um armário e berrava por não conseguir tirá-la. Só vestia um dos tênis porque o outro fora arrancado por um amigo que tentou inutimente salvá-lo puxando-o pelos pés. A professora dizia: "Mas como você conseguiu se enfiar aí?", então olhou para mim como se eu pudesse salvá-la, e o aluno que eu havia solicitado me veio aos braços, tomei a sua mão e impiedosamente deixei a professora, que conseguiu tirar a cabeça do moleque de onde ele havia enfiado.



Transfigurado, entreguei-o a mãe que veio buscá-lo antes do horário para levá-lo ao médico. A mãe já tinha no rosto a impaciência pela minha demora, e a criança adquiriu uma expressão angelical e doce ao ver a mãe. Mal sabe ela...



Quando retornei ao meu posto de trabalho, uma menina mais velha perguntou-me "Porquê vocês não dão a comida podre aos mendigos?". Assustado, eu perguntei porque eu haveria de fazê-lo, já que não tinha nada contra os mendigos. Ela referia-se à comida que sobra da merenda e fatalmente é jogada no lixo, sendo que algumas pessoas morrem de fome na rua. A intenção era boa, mas o modo de expressar-se precisava de intervenções. Eu a expliquei as questões burocráticas que envolvem a alimentação de uma forma siimplificada e ela aparentou compreender, infelismente, e a conformar-se com a comida no lixo, não no estômago de quem tem fome. Saltitante e correndo, ela voltou á sala, justamente do jeito que eu acabara de ordenar que não fizesse.



Passado alguns segundos, eu ri sozinho, sem saber bem de que parte de tudo que eu presenciei exatamente me parecia engraçado. Talvez pela nossa ingenuidade e espontaneidade nos fazer ridículos, e as delas as fazer crianças.

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