quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Um pedaço de morte


Com uma fúria silenciosa, que falta fúria e sobra silêncio, pára. Não se sabe no que pensa nem no que gasta o tempo, mesmo que seja na mais nobre das atividades, pára. Não se sabe se alguém verá nem quando o primeiro SMS será enviado aos parentes e amigos para que tomem nota do acontecimento fatal, simplemente pára.

Está-se entregue ao que a muitos deu a fé, a outros deu a dúvida, a outros não deu nada. A estes últimos a morte é como a vida, não vale nada. Não há quem possa dizer qual a profundeza deste nada, não há quem esteja vivo para contar como é a morte.

Ficamos a esperá-la, todos nós, num momento oportuno, como se este houvesse, um que não haveria saudade, dependência, razão. Aí estaríamos prontos para morrer. Ao que nos consome, estamos prontos para a morte no momento em que morremos.

Poderíamos crer, todos juntos, que a morte levaria qualquer vida a plena felicidade, por mais chatenante que possa parecer, e que se encontrasse com todos os já idos de que sentia falta. Mas a falta eterna que fará na conciência degrada os restos de ilusões que ainda temos.

Aos que o amavam, não fica nada, pois não há como dizer que existe a saudade se a saudade é ausência e a ausência não está. E este espaço jamais é preenchido. Este pedaço nunca é reposto. Estes advérbios sempre cabem a esta situação.

Um ponto final, umas reticências, muitas exclamações, ou uma interrogação? Para quem está lá, não resta dúvida, não resta nada. É como um estágio de pleno desenvolvimento humano, de absoluta adaptação, são sanadas todas as dúvidas, cumpridas todas as obrigações. É um ser que a partir de agora é superior a todos, conhece o que todos temem por desconhecer. É um herói, um mártir, um exemplo, como todos os outros, enterrados na mítica memória.

A decomposição dos fatos termina, quem sabe, antes que a do corpo comece. Quem sabe alguém viu, testemunhou a ausência de sangue que virou ausência de tudo. Esta pessoa é a mais profética de todas as que já gastaram os joelhos sobre a terra. Ela sim viu o futuro da humanidade.

A nossa única certeza é ironicamente uma incerteza absoluta. Acerca dela há diversas teorias como acerca de tudo. Nenhuma comprovada, nenhuma comprovável, nada, nada, nada!

Desde que me levaram um, deixei de me preocupar com isto. Me terem levado é uma ação que eu criei para que mesmo desconhecendo a razão de tamanha maldade, a minha dor fosse abrandada. Dizer que não me preocupo com isto é quase um erro que tem a mesma finalidade de acreditar que me levaram alguém.

Todo o ritual inventado, toda a celebração em despedida, só serve para dar à homenagem o atraso, aos amigos e familiares o desespero e às velas e às flores o cheiro de morte. Quando se feixa o caixão e com muito cuidado ele é acomodado nuns centímetros quadrados, é trancado nele por inteiro os pedaços de quem fica apenas com lembranças. Naquele momento, o nunca mais que sai da boca fere menos que o que salta aos olhos.

Mas é o fim, é o começo, é o que quizer. Deveria ser como as crianças que transparecem a fraqueza de todos num choro sem fôlego para não tardar a brincar de esconde-enconde entre as lápides, como quem foge do tiro um dia certeiro que sentencia todos nós ao que jamais conheceremos em vida.

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