quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Exercício do papai

34 anos, separado, um filho de 6 anos que dorme em casa todo fim de semana, No domingo eu acordo às 7h30min, recolho os jornais e os folheio, aproveitando o silêncio e a calma que ainda reina pela casa. Enquando o garoto não acorda, preparo a mesa pois, pelo quantidade de palavras que disse na noite de sábado, o menino vai acordar com fome!
Então ele acorda às 8h10min e lustra o chão com a sua única meia sem furos, me dá um beijo de bom dia e eu o perdôo. Pergunto se já escovou os dentes, lavou o rosto e as mãos, embora a resposta esteja nítida aos meus olhos. Ele faz uma expressão preguiçosa e executa a tarefa do seu jeito (rápido e mal feito). Terminado o café, com aquelas histórias que não me faziam o menor sentido e que a ele tinham uma graça incontrolável, proponho um banho rápido, já que às 14h tenho que devolvê-lo impecável.
Tomamos banho juntos e ele fica contente com isso, não sei se é porque todo o trabalho de esfregar fica delegado a mim e ele pode jogar a água do chuveirinho em alguém para se divertir, o fato é que nestes momentos, ele me bombardeia de perguntas:
- Papai, quando eu crescer o meu pipi vai ficar igual ao seu?
- Pode ser que sim, mas é pouco provável - respondo.
- Por quê? - ele pergunta instantâneamente.
- Porque cada um tem seu pipi diferente, que nem o pé, a mão...
- Mas então o meu vai ficar pequenino assim para sempre? - já tão novo e preocupado com isso, ele me pergunta.
- Claro que não, vão nascer pêlos nele e ele vai crescer e vai ficar do tamanho do do papai... Até maior se você exercitar... - comentei um pouco maliciosamente.
- E como eu exercito o pipi, fazendo xixi?
- Também, respondi, mas tem um jeito mais eficiente, que todo homem só aprende sozinho e na hora certa. Só você vai saber a hora certa disso acontecer, respondi arrependido do momento em que abri a boca para aquele moleque curioso e ancioso que eu conhecia bem.
- Mas e se eu não souber a hora certa? perguntou.
- Pode ter certeza que você saberá, e pelos meus cálculos, você ainda precisa crescer um pouco mais para isso acontecer, fim de papo, enxugue-se e vista a sua roupa que já deve ser 9h.
Fomos então até a garagem do carro, onde lhe aguardava uma surpresa: uma bicicleta nova! Pude notar que ele preferiria um Nintendo Wii ou um Playstation, mas ele deveria se acostumar com a idéia.
Num parque bem arborizado, que no domingo de sol lota, propus a ele o seguinte, sentados na grama.
- Hoje você vai aprender uma das lições mais importantes da sua vida: o equilíbrio! Fique em pé! Primeira etapa concluída com sucesso! - ele parecia não estar entendendo, mas muito entusiasmado - Caminhe! Segunda etapa concluída com sucesso! Pule de um pé só! Parabéns, você está indo bem...
- Mas pai, é só isso? Isso eu já sabia... - Afirmou ele, decepcionado.
- Você sabe que toda grande lição é aprendida em etapas, não sabe? Então, agora vem a etapa mais difícil, que pode ser dolorosa, como tudo que nos torna capaz, mas necessária e divertida.
Coloquei-o em sua bicicleta, ainda com rodas de apoio e sugeri que pedalasse. Meio desengonçado, ele foi adiante.
- O seu controle está no guidão, não olhe para o chão, ele só mostra o caminho que já passou e nos interessa o que vem pela frente. Controle a direção no guidão e a velocidade nos pedais.
Retirei uma das rodas.
- O exercício é o mesmo, procure olhar adiante, agora com o cuidado de não ter um dos apoios.
Ele já conduzia bem melhor e já sentia o funcionamento e o controle sobre a máquina. Com umas três voltas, a roda de apoio já erguia-se em relação ao chão e eu o flagrava, nas maiores velocidades, andando e equilibrando-se sem a ajuda desta roda.
- Agora vem o mais legal de todos. Vou tirar a outra roda - havia pânico em seu olhar, embora fosse capaz - Vou impulsionar suas primeiras pedaladas e um tombo é natural se você não controlar o objeto. Você tem medo de se machucar? Pois não deveria, isso pode o tornar uma pedra estática. Sabe o que é estática? Que não se move, que nem a sua tia que só reclama que pode acontecer isso ou aquilo e não faz nada. Você viu como ela está, não viu? Você quer ficar como ela? Então arrisque-se, persista e confie em você, eu ainda estou aqui para o caso de correr perigo.
Eu fiquei encantado ao notar que só a última frase o deixara mais tranquilo, ainda assim com a ressalva do "eu AINDA estou aqui". Fiquei preocupado ao mesmo tempo e depois do primeiro tombo e do primeiro chororô, tomamos um sorvete e voltamos para "o segundo round" como ele dizia.
- O que você fez de errado da primeira vez? - perguntei.
- Eu tava indo, daí o négócio virou assim eu caí.
- Então não foi seu o erro, foi do "negócio"?
- É, ele tá muito mole - respondeu.
- É importante quando se recebe uma grande lição, saber reconhecer os erros cometidos. O "negócio" não se move se você não quizer, e como você não tem ainda habilidade, você não soube controlá-lo. É natural que tenha medo, e é prudente que o domine. Vamos tentar quantas vezes for preciso e em cada uma, até a pedalada perfeita, você terá de identificar onde errou.
Mais um punhado de vezes até que ele conseguisse manter o equilíbrio e o controle da bicicleta, caiu umas duas, porque eu consegui segurá-lo em dez e estava sujo e dolorido quando aprendeu finalmente a impulsionar a bicicleta com os próprios pés, lhe causando um transboramento de felicidade. Deu duas voltas no parque sem a minha presença por perto (pelo menos não que ele pudesse ver) e quando chegou fizemos a festa.
- Eu aguardei por este momento desde que chegamos, filho, você aprendeu muito rápido, quase rápido demais! Percebeu? O importante, depois que aprendemos a ter euilíbrio, é utilizá-lo. Tudo na naturesa vai tentar acabar com seu equilibrio, mas só sobrevive bem nela quem resiste e propaga este equilíbrio. Eu te amo! Tinha certeza de que conseguiria, até sem mim... Todo mundo tá babando no jeito que você conduz. Você já está um homem!
- Papai, já que eu sou um homem, pelos seus cálculos, não ta na hora de eu aprender a exercitar meu pipi?

É impressionante a noção de tempo das crianças, são tão livres e nós as adestramos para sucumbir à ditadura do tictac.

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