terça-feira, 25 de agosto de 2009

Nicho Urbano parte 3


COMO UM HERÓI EM VANGUARDA que descobre que em qualquer INSS, em qualquer "grupo de risco", em qualquer clube de bocha se encontra figuras mais atléticas que ele. Desci a ladeira que subira e fui tomar o ônibus de volta a casa num ponto de ônibus que, adivinhe: estava lotado. Inesperadamente rápido, chega o meu ônibus e umas 10 pessoas se dirigem a ele, não tive nem tempo de contar o dinheiro da passagem e entrei no ônibus, que vinha vazio, isto mesmo, vazio. Escolhi um lugar abaixo da janela, próximo a catraca, pelos motivos já esclarecidos, mesmo sentindo a água refrescar o meu traseiro no banco molhado. Vazio, isto mesmo! E havia lá uma menina muito altruísta. Ela tinha um celular, e queria mostrar que até uma estúpida podia tê-lo. Mais ainda, queria compartilhar a música que ouvia! Que criatura adorável! Cantava e nos deixava ouvir o som que saía do seu celular. O cobrador, um rapaz jovem que achei que estivesse com má vontade de trabalhar, disse que estava com dores na cabeça. A menina, então, resolveu colocar uma canção, com batidas funk e techno, para acalmar o rapaz. Que doce pré-adolescente, ria tão alto, esbanjando felicidade! O cobrador, por aparentemente conhecê-la, fechou a cara mais ainda, quase sugando para dentro do crânio o nariz protuberante que tinha, mas não disse uma palavra de repreenssão.
Novamente, nos pontos das imediações no terminal e no terminal, o ônibus lotou, e desta vez, lotou surpreendentemente, beirando a violação das leis da física, salvas pelas minúsculas vacâncias e orifícios humanos que abrigavam membros de outros humanos, querendo ou não, gostando ou não. Quando somente cabiam pessoas horizontalmente sobre as outras, quando ao tirar os pés do chão era possível "flutuar", quando não era permitido expandir qualquer parte do corpo para relaxar, quando um "peido" causaria muito mais do que um "Quem foi? Nosssssss!", digo "peido" para deixar claro a situação escatológica do trabalhador cansado que regressa ao lar no horário de pico, não por não conhecer um termo menos ofensivo, apesar de julgar a ação muito mais ofensiva que a palavra "peido" em si. Neste momento, já se ouviam passageiros indignados com a demora de 1 hora do ônibus, a socar a porta e proferir xingos ao motorista, o qual "acomodava sua busanfa gorda na poltrona confortável", em suas próprias palavras. Seguimos viagem.
Decidi, então, começar a me mexer 3 pontos antes da descida. Prudente. Olhei para trás, e a moça do meu lado, cheirando a cigarro, debochou da minha ambição. Mas a decisão fora tomada. Tive pena, medo, dor, tudo, mas levantei, e no ato de levantar movi uns 10 corpos pelo corredor. Ergui um pé, perdi o chão. Pisei num pé, me disse ai, pedi desculpas e continuei. "Licença, licença, ai! Desculpa, dá uma licencinha..." Havia duas opções: encoxar um homem e encoxar uma mulher. Se eu encoxasse um homem, criaria um ferida profunda na minha masculinidade, por mais que não devesse, naquele momento, levar isto em consideração, mas estar de costas para a mulher é menos arricado que ela roube a carteira do bolso traseiro que se fosse um homem. Só que não deveria encoxar um homem, porque eu sou macho! Resolvi meu problema, coloquei a carteira no bolso da frente da blusa, encoxei a mulher, e, sentindo-me um reprodutor, prossegui. "Desculpas, dá uma licencinha..." Então mais a frente havia um homem que já encoxava uma mulher, impossibilitando a minha passagem, que infelismente só poderia ser entre eles. Se me virasse a ela, encoxaria a mulher e seria encoxado pelo homem. Preferi a outra opção e numa dada posição que fiquei exatamente de frente com o homem, travado por uma mochila imensa e molhada que ninguém teve coragem de se oferecer para carregar. O ônibus sacoleja e o queixo do homem bate no meu peito, lá se foi a minha masculinidade... segui em frente como um estuprado, empurrando a bolsa do rapaz, reclamando dos guardas-chuvas molhados e debatendo como um animal que há muito deveria ter sido, mais extamente, há dois pontos atrás.

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